sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

As origens do microcrédito

O microcrédito, com as características que hoje lhe são associadas, surgiu em 1976, no Bangladesh, pela mão do premiado com o Nobel da Paz, em 2006, Muhammad Yunus.
Professor de economia durante longos anos, Yunus teve um momento da sua vida académica em que se desiludiu com as elegantes teorias económicas que leccionava, por não reflectirem a realidade social do seu país, profundamente marcado pela miséria, fome e morte. Na obra «O banqueiro dos pobres», o professor confessa que sentiu que tinha que se afastar do meio académico e imergir na vida real dos habitantes do seu país, com o intuito de ajudar verdadeiramente o seu povo.
Foi nesta altura que Yunus se apercebe de uma forte injustiça social que assolava o seu país – os empréstimos concedidos por prestamistas, que reproduziam a situação de dependência económica e pobreza dos mais desfavorecidos. Para adquirirem a matéria-prima dos produtos que fabricavam, as pessoas necessitavam de pedir dinheiro emprestado a usurários, que estabeleciam condições de pagamento bastante rigorosas (impedimento de qualquer tipo de pagamento parcial; era obrigatório vender-lhes o produto do seu trabalho, por um preço estabelecido pelos prestamistas), o que impossibilitava a libertação da condição de devedor, sendo que, na maioria das vezes, viam-se obrigados a ter de pedir novo empréstimo para reembolsar o empréstimo anterior, pelo que só a morte os libertaria desta situação de dependência e pobreza.
Tendo contacto com esta realidade, Yunus reflecte que “Enquanto os pobres estiverem sujeitos aos prestamistas, nenhum programa económico poderá travar o constante processo de alienação dos pobres” (Yunus, 2009: 22). Assim sendo, a única salvação para estes casos seria a obtenção de um crédito, que lhes possibilitasse vender os seus produtos no mercado, obtendo uma margem de lucro que lhes permitisse pagar o empréstimo e conservar algum desse lucro para si. O problema é que não havia nenhuma instituição financeira que concedesse empréstimos à população pobre, por esta não oferecer qualquer tipo de garantia e, na ausência desta possibilidade, este negócio estava sob o domínio absoluto dos prestamistas.
Na tentativa de transpor este obstáculo, e verificando que o crédito total que 42 famílias precisavam era de apenas 27 dólares, o professor decide emprestar do seu próprio bolso o valor que estas pessoas necessitavam, para pagar aos intermediários as suas dívidas e vender os seus produtos onde conseguissem melhor preço, sob condições socialmente mais justas – pagariam quando pudessem e sem ter que pagar qualquer tipo de juro. Em pouco tempo, estas famílias pagaram-lhe por completo os empréstimos concedidos, e ficaram-lhe profundamente agradecidas pela possibilidade de readquirirem motivação e dignidade humana.
Tendo em conta este cenário, sentiu que tinha que criar uma resposta institucional onde as pessoas pudessem recorrer sempre que precisassem de dinheiro. “Se pudessem ter um empréstimo do banco com juros comerciais, podiam vender os seus produtos no mercado e obter um lucro decente que lhes permitiria viver. […] Na situação presente, estão condenadas a trabalhar como escravas para o resto da vida, e nunca conseguirão libertar-se do juro dos grossistas paikari que agora lhes emprestam capital com juros usurários” (Yunus, 2009: 110). Com esse intuito recorreu aos bancos, mas a resposta foi negativa, devido à ausência de garantias que essas pessoas apresentavam, o que lhe provocou profunda indignação. “Os mais pobres trabalham doze horas por dia. Precisam de vender e ganhar dinheiro para poder comer. Têm todo o interesse em pagar o empréstimo, principalmente se querem pedir outro empréstimo e viver outro dia! Essa é a maior segurança que o banco pode ter… a vida delas” (Yunus, 2009: 112). Deparando-se com a resiliência dos bancos, mas sem nunca cair em desalento, Yunus supera o obstáculo – ele próprio passa a ser o fiador dos empréstimos concedidos aos pobres e, desta forma, estes teriam o tão ambicionado acesso aos empréstimos bancários.
Para surpresa de todos, inclusive do próprio professor, o reembolso dos empréstimos por parte das pessoas que não ofereciam garantias ultrapassou os pagamentos dos empréstimos dos que as tinham, estando muito próximo do limite dos 100% de reembolso. Tal deve-se ao facto dos mais desfavorecidos saberem que esta é a única oportunidade que têm de escapar à pobreza, pelo que se esforçam por cumprir o contratualizado.




A partir desta sua experiência, Yunus abraçou de corpo e alma a missão de erradicar a pobreza do planeta e está a transformar o nosso mundo, não só através da difusão do microcrédito pelos quatro cantos do globo, mas também pela aposta nas potencialidades da economia social para esse mesmo fim.


Fonte: YUNUS, Muhammad (2009) - O banqueiro dos pobres: o microcrédito e a luta contra a pobreza no mundo. 6ª ed. Lisboa: DIFEL. ISBN 978-972-29-0910-5.

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